sábado, 5 de março de 2016

Produto com defeito - o que você pode exigir.

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Muitas pessoas desconhecem os direitos que possuem quando encontram defeitos em produtos adquiridos no mercado de consumo, e acabam amargando prejuízos desnecessariamente. 

Em recente caso, conduzido por nosso escritório, um grande fabricante de eletrodomésticos foi condenado a consertar o forno a gás, adquirido mais de um ano antes, e que já havia sido substituído uma vez pelo fornecedor, além do pagamento de indenização por danos morais à consumidora.
Para que a proteção legal funcione, o consumidor precisa estar atento aos prazos de garantia e saber exigir o cumprimento da lei. A seguir, tentaremos explicar os mecanismos de proteção do consumidor nessas situações.

Como funciona a garantia?


Todos os fornecedores são obrigados a garantir seus produtos contra defeitos de fabricação pelo prazo mínimo de três meses, no caso dos produtos duráveis. O fornecedor também pode oferecer garantias mais extensas, detalhando todas as informações no "termo de garantia" que deve acompanhar todos os produtos comercializados.

Melhor explicando, o fornecedor pode oferecer a garantia de um ano, especificando que são "três meses de garantia legal, mais nove meses de garantia adicional". Caso ofereça a garantia de um ano sem fazer essa ressalva, esse período começa quando terminar o trimestre de garantia legal.

O prazo de garantia, portanto, é o prazo pelo qual o fornecedor se responsabiliza pela solução de defeitos em seus produtos. É contado da data em que o consumidor adquiriu o produto.

Dependendo da forma como o produto é utilizado, o defeito não aparece imediatamente. Em algumas situações, ele se "revela" apenas algum tempo depois, mesmo pelo uso normal do produto. É o chamado vício oculto.

O Código de Defesa do Consumidor prevê que, no caso do vício oculto, o prazo de garantia é contado do aparecimento do defeito, de modo que os fornecedores podem ser obrigados a solucionar o problema mesmo após o fim do prazo de garantia.

O defeito apareceu. E agora?


O primeiro passo é acionar a assistência técnica do fornecedor, pessoalmente ou por telefone, guardando as cópias de ordens de serviço ou números de protocolo gerados. Isso é muito importante, porque o prazo de garantia pára de correr enquanto o problema não for resolvido pelo fornecedor.

Uma vez acionado, o fornecedor tem trinta dias para solucionar o problema, ou, dependendo da complexidade do conserto, solicitar, por escrito, um prazo adicional, que nunca poderá passar de seis meses.

Quando o defeito não for sanado nesse prazo, ou quando o consumidor não concordar com o prazo adicional pedido pelo fornecedor, pode exigir a substituição do produto por outro, ou a devolução do dinheiro monetariamente corrigido. 

Note que essa é uma opção exclusiva do consumidor. Não é o fornecedor quem decide se troca o produto ou devolve o valor.

Caso o produto seja trocado, ou o problema consertado, o prazo de garantia começa a contar novamente, do início.

E se o problema voltar?


Se o mesmo defeito voltar a ocorrer, significa que não foi resolvido pelo fornecedor.
No caso real, mencionado mais acima, após vários consertos e trocas de peças, sem resolver o problema, o fornecedor propôs a substituição do produto, que foi aceita pela consumidora. Mas o forno novo veio com os mesmos defeitos do anterior.
Nesse caso, o fornecedor poderá propor a troca por um outro produto diferente, mas equivalente, fazendo-se eventual complementação ou devolução de valores. Mas a palavra final será sempre do consumidor, que poderá até mesmo insistir na realização do conserto.
No nosso caso real, a empresa propôs a troca do forno a gás por um modelo elétrico. A consumidora não aceitou a troca, pois o modelo elétrico aumentaria suas despesas, e insistiu no conserto.

E se o fornecedor, mesmo assim, não resolver o problema?


A solução, nesses casos, é recorrer aos órgãos de proteção ao consumidor ou ao Poder Judiciário. Caso o consumidor registre sua reclamação junto ao PROCON, o fornecedor será intimado a dar uma solução ao problema, pelos mesmos mecanismos legais já mencionados, agora sob o risco de ver o caso exposto ao público (os PROCONs publicam relações de fornecedores reclamados).

Não é necessário recorrer ao PROCON primeiro. O consumidor pode optar por efetuar uma reclamação diretamente no Juizado Especial Cível mais próximo de sua residência, mesmo sem assistência de advogado (quando a causa ficar abaixo de 20 salários mínimos). A empresa será chamada para uma audiência de conciliação, onde poderá propor outras soluções ao consumidor.

Se não houver acordo, o processo será levado a um Juiz de Direito, que decidirá a questão, podendo aplicar multas e condenar o fornecedor a pagar indenizações ao consumidor, inclusive pelo dano moral decorrente dos transtornos causados.
No caso de nosso escritório, a decisão judicial determinou ao fornecedor que reparasse o forno da consumidora, colocando-o "em perfeitas condições de uso", sob pena de aplicação de multa diária, além de uma indenização por danos morais em valor igual ao que foi pago pelo forno.
Esse caso demonstra que, mesmo que haja a necessidade de algum tempo de espera, o consumidor não perde por conhecer e exigir o cumprimento de seus direitos. Sempre que tiver dúvidas, busque orientação com o seu advogado ou no PROCON mais próximo de sua casa.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Empresas de software e relação de consumo

As empresas de software, independentemente do tamanho ou do faturamento, podem ter sua relação jurídica com os clientes caracterizada como "relação de consumo", regulada pelo Código de Defesa do Consumidor.
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As principais consequências dessa caracterização são o deslocamento da competência judicial (as ações para discussão e cumprimento das obrigações do contrato são processadas no domicílio do consumidor, ainda que distante), a inversão do ônus da prova (quando cabe ao fornecedor provar a improcedência das alegações do consumidor), e a nulidade das cláusulas de proteção do fornecedor por abusividade, que resultam em grandes dificuldades para a defesa das empresas de software, especialmente as de pequeno porte.

A análise da jurisprudência recente revela que o elemento, que melhor caracteriza a relação de consumo, é a finalidade do uso do produto. O consumidor, no conceito da Lei, é aquele que adquire um produto como destinatário final, ou seja, que não irá utilizar aquele produto como meio de realizar sua própria atividade econômica.

Por esse raciocínio, uma empresa de desenvolvimento de software contratada para a construção e a disponibilização de uma ferramenta de e-commerce (loja virtual) via internet, não está, a princípio, sujeita aos dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

No entanto, essa caracterização da relação de consumo leva em conta, também, a "hipossuficiência do consumidor", que surge quando há desproporção entre as condições técnicas e financeiras dos contratantes
Empresas que comercializam softwares prontos, do tipo "produtos de prateleira", devem estar preparadas para lidar com seus clientes em uma relação de consumo. Nesses casos, o cliente não tem qualquer interferência na produção do software, não determina mecanismos e lógicas de cálculo, e precisa do fornecedor até mesmo para instalar os programas.

As empresas de consultoria, desenvolvimento e integração de sistemas, por outro lado, vivenciam uma situação diferente. Em muitos momentos, estarão lidando com grandes clientes, que possuem profissionais altamente especializados na tecnologia implantada e participam do desenvolvimento da solução, informatizando suas próprias regras de negócio e lógicas decisórias e armazenando os programas e dados em seus próprios servidores.

Nesses casos, é possível dizer que o cliente tem tanto domínio do produto quanto o desenvolvedor, não podendo, em hipótese alguma, ser considerado hipossuficiente ou vulnerável, de modo que não é um mero consumidor.
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Já aquelas empresas de pequeno porte, que vendem softwares pré-desenvolvidos para empresas igualmente pequenas, sem uma estrutura de TI própria, fazendo apenas pequenos ajustes e customizações para atender às solicitações diretas do cliente, estão em uma faixa de incerteza que, em determinados casos, pode ser fatal para os negócios. 

Quanto maior a dependência do cliente em relação ao desenvolvedor, maior sua vulnerabilidade e maiores as chances de ficar caracterizada a relação de consumo.

As empresas, de todos os tamanhos e segmentos, devem dar especial atenção aos processos e à documentação que garantam a qualidade do software, evitando bugs que possam resultar em perda de dados relevantes para a atividade do cliente. Também devem, entre outras coisas, implementar objetos que permitam a auditoria dos dados e de seu uso, com o objetivo de viabilizar a defesa do desenvolvedor, já que, em algum momento, poderão ser obrigadas a apresentar provas para contestar a versão do consumidor.
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Também devem ficar atentas à utilização de "contratos de adesão", aqueles em cujo conteúdo o adquirente do produto não interfere, somente podendo "aceitar" as condições do contrato ou "abrir mão" do serviço, como nos "contratos click" de licença de uso, que abortam a instalação quando ocorre a recusa do usuário. Esses contratos devem demonstrar, de maneira destacada (e, se possível, com possibilidade de adesão específica), as cláusulas que possam resultar em perda ou redução de direitos para o cliente, tais como renúncia ou impossibilidade de reembolso de valores, cláusula arbitral ou de eleição de foro.

O desenvolvimento, a implantação e o fornecimento de software já são, por si mesmas, atividades de grande complexidade. Em um mundo globalizado e conectado, elas abarcam praticamente todos os aspectos da vida e da interação humana. Conhecer e gerir os riscos jurídicos dessas atividades pode parecer incômodo e trabalhoso, mas é o que pode assegurar a continuidade e o crescimento das empresas que se aventuram nesse caminho.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Condomínio - Animais domésticos e boa convivência

O cotidiano mostra que os três maiores problemas dos condomínios tem nomes iniciados com a letra “C”. São eles: Cachorro, Criança e Carro. As questões que envolvem a posse de animais domésticos, o comportamento das crianças e adolescentes e o uso dos espaços nas garagens têm grande potencial para gerar conflitos entre condôminos e tiram o sono dos administradores. 

Hoje, trataremos especificamente dos animais domésticos.



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O Código Civil (em vigor desde 2002) tem um regramento básico para os chamados “condomínios edilícios” (esses onde áreas de uso e propriedade comum são combinadas com unidades de propriedade exclusiva). Enquanto o proprietário (ou morador) pode usar e fruir livremente da sua unidade, cabe à coletividade estabelecer regras para o uso e a fruição das áreas comuns.

A posse de animais, portanto, está abrangida pelo direito de propriedade, que é assegurado pela Constituição e pela Lei, e não pode ser proibida pelo regimento interno do condomínio. Isso significa, porém, que o exercício desse direito deve se submeter a regras, visando o bem da coletividade.

Entre as regras que podem ser adotadas pelo condomínio estão aquelas que tratam do barulho (que, obviamente, não pode impedir ou atrapalhar o descanso dos demais moradores) e as que limitam a circulação dos animais pelas áreas comuns (que tem, como motivação, a preservação da segurança dos moradores e a manutenção da limpeza e da higiene do local).

Quase todos os condomínios proíbem a circulação de animais pelas áreas comuns, permitindo apenas a passagem entre o apartamento e a rua, no colo de seus donos ou em gaiolas adequadas. Essa exigência é perfeitamente válida, e busca evitar que os animais escapem e circulem, eventualmente fugindo ou ameaçando os demais moradores ou fazendo suas necessidades nas áreas comuns.

Essas regras exigem, obviamente, o “tempero” do bom senso. Não seria razoável, por exemplo, exigir que idosos ou pessoas com deficiência corram riscos de lesões ou quedas ao carregar seus animais no colo, quando as circunstâncias permitirem que os animais sejam guiados em coleira e/ou focinheira sem oferecer riscos às demais pessoas e sem comprometer a limpeza do condomínio.

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E, claro, essas limitações não se aplicam aos cães-guia usados por deficientes visuais, sejam eles moradores ou visitantes, que devem poder circular por todas as áreas do condomínio a que seu dono tiver acesso. Obviamente, quando não estiver cumprindo sua função de guia, o cão é considerado um animal como outro qualquer, e está sujeito às mesmas regras aplicáveis aos demais animais do condomínio.

Entre as punições possíveis, estão as advertências e multas. Essas medidas devem constar previamente do regulamento interno do condomínio, e sua aplicação deve sempre levar em conta a gravidade da situação, e a eventual reincidência do comportamento do morador. O administrador do condomínio também pode, em casos extremos, aplicar as multas por “comportamento antissocial”, previstas no Código Civil, que podem chegar a dez vezes o valor da cota condominial.

A aplicação de multas é um assunto extenso, que será tratado, com mais detalhes, em uma outra oportunidade. Em linhas gerais, vale dizer que as multas podem ser cobradas junto com as cotas condominiais, e constituem dívida líquida do condômino, que pode ser levada a protesto (gerando negativação em serviços como SPC/SERASA) e cobrada judicialmente, chegando até à penhora do imóvel.

A eterna busca pela “paz no dia-a-dia” da vida nos condomínios se faz com regras e com tolerância, sendo que, em determinadas situações, um pouco mais de tolerância pode ser mais efetiva do que a frieza das regras.