As empresas de software,
independentemente do tamanho ou do faturamento, podem ter sua relação
jurídica com os clientes caracterizada como "relação de consumo", regulada pelo Código de Defesa do Consumidor.
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As principais consequências dessa caracterização são o deslocamento da competência judicial (as ações para discussão e cumprimento das obrigações do contrato são processadas no domicílio do consumidor, ainda que distante), a inversão do ônus da prova (quando cabe ao fornecedor provar a improcedência das alegações do consumidor), e a nulidade das cláusulas de proteção do fornecedor
por abusividade, que resultam em grandes dificuldades para a defesa das
empresas de software, especialmente as de pequeno porte.
A análise da jurisprudência recente revela que o elemento, que melhor caracteriza a relação de consumo, é a finalidade do uso do produto. O consumidor, no conceito da Lei, é aquele que adquire um produto como destinatário final, ou seja, que não irá utilizar aquele produto como meio de realizar sua própria atividade econômica.
Por esse raciocínio, uma
empresa de desenvolvimento de software contratada para a construção e a
disponibilização de uma ferramenta de e-commerce (loja virtual) via
internet, não está, a princípio, sujeita aos dispositivos do Código de
Defesa do Consumidor.
No entanto, essa caracterização da relação de consumo leva em conta, também, a "hipossuficiência do consumidor", que surge quando há desproporção entre as condições técnicas e financeiras dos contratantes.
Empresas que comercializam softwares prontos, do tipo "produtos de prateleira",
devem estar preparadas para lidar com seus clientes em uma relação de
consumo. Nesses casos, o cliente não tem qualquer interferência na
produção do software, não determina mecanismos e lógicas de cálculo, e
precisa do fornecedor até mesmo para instalar os programas.
As empresas de consultoria, desenvolvimento e integração de sistemas,
por outro lado, vivenciam uma situação diferente. Em muitos momentos,
estarão lidando com grandes clientes, que possuem profissionais
altamente especializados na tecnologia implantada e participam do
desenvolvimento da solução, informatizando suas próprias regras de
negócio e lógicas decisórias e armazenando os programas e dados em seus
próprios servidores.
Nesses casos, é possível dizer que o cliente tem tanto domínio do produto quanto o desenvolvedor, não podendo, em hipótese alguma, ser considerado hipossuficiente ou vulnerável, de modo que não é um mero consumidor.
Já aquelas empresas de pequeno porte,
que vendem softwares pré-desenvolvidos para empresas igualmente
pequenas, sem uma estrutura de TI própria, fazendo apenas pequenos
ajustes e customizações para atender às solicitações diretas do cliente,
estão em uma faixa de incerteza que, em determinados casos, pode ser fatal para os negócios.
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Quanto maior a dependência do cliente em relação ao desenvolvedor, maior sua vulnerabilidade e maiores as chances de ficar caracterizada a relação de consumo.
As empresas, de todos os tamanhos e segmentos, devem dar especial atenção aos processos e à documentação que garantam a qualidade do software, evitando bugs que possam resultar em perda de dados relevantes para a atividade do cliente. Também devem, entre outras coisas, implementar objetos que permitam a auditoria dos dados e de seu uso, com o objetivo de viabilizar a defesa do desenvolvedor, já que, em algum momento, poderão ser obrigadas a apresentar provas para contestar a versão do consumidor.
Também devem ficar atentas à utilização de "contratos de adesão", aqueles em cujo conteúdo o adquirente do produto não interfere, somente podendo "aceitar" as condições do contrato ou "abrir mão" do serviço, como nos "contratos click" de licença de uso, que abortam a instalação quando ocorre a recusa do usuário. Esses contratos devem demonstrar, de maneira destacada (e, se possível, com possibilidade de adesão específica), as cláusulas que possam resultar em perda ou redução de direitos para o cliente, tais como renúncia ou impossibilidade de reembolso de valores, cláusula arbitral ou de eleição de foro.
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O desenvolvimento, a
implantação e o fornecimento de software já são, por si mesmas,
atividades de grande complexidade. Em um mundo globalizado e conectado,
elas abarcam praticamente todos os aspectos da vida e da interação
humana. Conhecer e gerir os riscos jurídicos dessas atividades
pode parecer incômodo e trabalhoso, mas é o que pode assegurar a
continuidade e o crescimento das empresas que se aventuram nesse
caminho.




