quarta-feira, 15 de março de 2017

Retenção do material didático da criança por inadimplência dos pais. Pode isso?


Foto da internet
Tenho mensalidades da escola do meu filho em atraso, e a escola não quer fornecer o material didático pra ele estudar. E agora?


Recentemente recebemos, no escritório, um casal cuja filha pequena não tinha recebido o material didático da escola, em razão da falta de pagamento de uma mensalidade. A criança, de apenas seis anos de idade, era obrigada a ficar apenas "observando" os amiguinhos estudarem, pois não tinha as apostilas necessárias para acompanhar as aulas.

Apesar de o material didático ser de uso obrigatório, e fornecido com exclusividade pela escola, a alegação era de que os pais deveriam, ao menos, pagar o valor do material todo (cerca de R$ 1.000) enquanto não resolvessem o atraso da mensalidade.

Os pais procuraram a escola para negociar o pagamento parcelado dos valores, mas a escola se manteve irredutível, obrigado os pais a recorrerem ao Poder Judiciário.

Na ação, houve antecipação de tutela, para determinar a entrega imediata do material à criança, e a decisão final ainda condenou a escola a pagar uma indenização por danos morais de R$ 3.000,00 (três mil reais) aos pais. O fundamento dessa decisão é a abusividade da cobrança realizada pela escola.
"Dessa forma, diante do excesso da recorrida na cobrança de seu crédito, culminando por negar à criança o material necessário ao desenvolvimento de suas atividades escolares durante período considerável (do início das aulas até 26 de fevereiro de 2016, data em que o aludido material foi entregue recibo a fls. 40), bem como considerado o abalo psicológico causado à menor, está caracterizado o dano moral inicialmente afirmado."

 

Vamos entender melhor


O Código de Defesa do Consumidor estabelece, no Artigo 42, que "na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça".


É óbvio que toda pessoa deve cumprir a obrigação de pagar pelos serviços que contrata. Também é óbvio que todo credor tem direito de exigir o pagamento pendente. Mas essa cobrança deve ser feita pelos meios colocados à disposição do cidadão pela Lei. O credor não pode se valer de ameaças, constrangimentos ou expor o devedor ao ridículo.


No caso mencionado, a escola estava usando a criança para constranger (forçar) os pais ao pagamento da mensalidade pendente. Havia uma clara "ameaça" aos pais: se vocês não "se virarem" pra arrumar o dinheiro, seu filho é quem fica sem aprender.


A falta do material, além da perda dos conteúdos didáticos que causa, também expõe a criança perante os coleguinhas e perante os empregados, professores e pais dos demais alunos. Enquanto os pequenos, mesmo não sabendo o motivo, reparam na falta de material, causando constrangimento direto à criança (que se sente "menos" que os demais), os adultos que tomam contato com a situação sabem, "de cara", que se trata de alguma "represália" da escola, o que causa constrangimento aos pais.


Algumas escolas não entendem que o material didático, de uso obrigatório e, principalmente, de fornecimento exclusivo, integra o serviço contratado pelos pais. A própria cobrança "em separado" desse material poderia caracterizar "venda casada", sujeitando a escola a punições no âmbito da legislação de Consumo. A melhor política é incorporar esses valores à anuidade, e fornecer os materiais no início do ano letivo. E, nas cobranças, usar os meios normais (protestos, ações judiciais, aplicação de multas etc.), pois a "criatividade" pode sair mais caro.